ODORES


A mistificação do ser social , o cheiro de urina seca, invadindo as narinas, um homem e uma mulher sentados no coletivo, voltando do trabalho, procurando uma casa.

Dois lugares, duas pessoas, e um muro instransponível , a sociedade berra verdades que não são completas, gritam mentiras que se tornam verdades.

O forte cheiro invadindo a narina, o preconceito infundado, bem alicerçado, olhares de canto de olho, cabeças virando, vias respiratórias presas.

Um homem atravessando o corredor apertado do ônibus, suas pobres, nobres vestem, sujas de vermelho, sujas de marrom, um universo de cores, cores sujas, cores mortas. Um chapéu que o deixa numa posição acima de todos os outros passageiros. Como diria o famoso dono da famosa fábrica do famoso chocolate: o chapéu engrandece.

O homem senta-se , senta-se e levanta-se. SE senta SE levanta, procurando olhos menos curiosos, tenho uma posição de respeito na sociedade cruel, tenho uma posição de destaque na sociedade que finge , que Ensaia a Cegueira.

Abaixo meus olhos, procurando as palavras daquele livro.O livro que leio vorazmente , não me impede de olhar quando o homem de chapéu senta ao meu lado, não impede de reparar seu cheiro quando se aproxima.

Me afasto , me encolho, não quero contato com o dono de tão repugnante cheiro.

Continuo lendo o moço Llosa , continuo indignada com a pobreza peruana, continuo penalizada. Penso em ajuda-los, filiar-me a uma instituição voluntária percorrendo os países pobres da América do Sul.

Continuo chorosa, continuo prendendo a respiração, e quando quase paro de respirar, o cheiro fica pior, as ideias fluem melhor.

E eu confundo Audrey Hepburn com a Menina Má de Llosa, e eu tenho vontade de gritar, gritar, para que os que precisam de socorro gritem mais alto, para que eu possa encontra-los, ajuda-los, mas é tudo vão.

O mais nobre dentre nós , está aqui. E então numa fração de segundos, a literatura latina, a pobreza peruana, o descaso brasileiro, me fazem enxergar o homem que está sentado ao meu lado.

Disfarçadamente para que não se incomode eu o olho, ele me olha.

Parece não ter mais que 50 anos, as cores sujas, mortas estampam-lhe as roupas, o rosto. Carrega dois grandes embrulhos em sacolas plásticas, das quais não desgruda por nada.

Engana-se quem supõe que nada tem aquele homem, tudo o que ele precisa encontra-se com ele. A dignidade de pagar o ônibus, de assentar-se entre os pobres, entre os cegos.

Ele se levanta, senta no banco da frente, ao lado de uma garota que parece não ter mais que 18 anos, ela repugna-se. Posso acompanhar seus movimentos de resignação quando ao homem sentado ao seu lado. Llosa continua seu intenso relato sobre a Menina Má, sobre a infância pobre da Menina Má. A moça sentada ao lado do home de chapéu se incomoda com os leves movimentos que o homem faz a fim de encontrar uma posição mais confortável no estreito espaço que comprou por R$ 3,55. A garota levanta-se demonstrando toda sua indignação quanto aquele homem que ousa sentar-se ao seu lado, carrancuda, troca de lugar; mas não antes de esperar que ele levante-se, e lhe dê o espaço que precisa para atingir o corredor do ônibus.

Ele se levanta , procura por olhos menos curiosos, não encontra os meus. Senta-se novamente ao meu lado.

Não olho, não me viro, não respiro. Não quero que ele saia do meu lado, as pessoas começam a olha-lo com ódio, indignação , por ousar senta-se ao lado de uma moça bonita, acusadores. Acusado de viver, acusado , julgado por sobreviver.

Somos iguais, então respiro fundo, puxando todo o ar que meus pulmões conseguem abrigar, o cheiro de urina seca, misturado com o cheiro de descaso, com o cheiro de medo.

Vivemos em sociedade que tortura, que peca por excesso de puritanismo, de babaquice, de soberba, uma sociedade, que pesca vantagens, que ceifa sonhos.





NOTA AO AVESSO: eu disse que ODORES seria meu primeiro post aqui. E será.

Nada de apresentações. o que importa, é o que acontece. E eu AINDA não aconteci. não sou um fato, uma música terminada, uma história pra ser contada. eu que atropelo as palavras, conto as letras, soletro os números.
Eis-me aqui ou ali,


O LEITORES, com complementos:

Comentários

  1. Eai Tatá "gostei meu". Quem é que nunca mudou de calçada pra não se deparar com um mendigo?!? quem nunca recolheu a mão diante de uma mãe esticada de um morador de rua "medonho", ou pior quem nunca viu, fez que não viu e pior mentiu para si que não viu aquele ser excomungado de uma sociedade cheia de preconceitos fúteis e barbarismo?!?

    Russo (não consegui coloca o meu nome em baixo)

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  2. Tatá!!! Amei, amore. Parece que foi um grito, seu. Não tenho palavras. Continue postanto, não faça como eu e os outros e se ausentar. Vou ver se grito também.

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  3. caracas tatá!!!!!!!!!! muito bom!!!!!!! não existe mais nada que possa falar pra você! continue assim!

    Fábio (que merda, não consegui colocar meu nome tbm)

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